sexta-feira, 30 de abril de 2010

Velha infância.






Nasci e cresci no interior. Jeito de menina moleca. Jeito de menina quieta. Jeito de menina esperta. Jeito de menina simples. Pés descalços pela grama. Corpo solto através das montanhas. Que colhia limão pra fazer suco. Que sentava embaixo da mexeriqueira para chupar mexerica. Que soltava pipa com os meninos da rua. Que jogava bola com primos, irmão e amigos. Que brincava de castelo mal assombrado nas casas abandonadas. Que fugia sempre que os meninos escolhiam salada mista. Que não tinha sapatos coloridos. Nem roupas cor de rosa. Que nunca teve uma casa da Barbie. Mas uma casinha montada com xicrinhas, mesinha e comidinhas de barro. Que adorava o sol da tarde. Aquele alaranjado de outono, quando ficava sentada na sala enquanto a nona fazia o café, assoviando músicas de seu tempo. Menina que acordava com o canto dos passarinhos e dormia ouvindo o coachar ao longe dos sapinhos. Menina da educação antiga. Da que precisa ser forte pra lutar pela vida. Da família que batalha em função sempre do melhor. Que se cala e não grita quando sente dor. Que fazia peraltices. Que roubava a espingarda do avô e comprava chumbinho pra tentar derrubar os enchús de abelhas. Que trazia sempre algum animal perdido pra dentro de casa. Que andava de bicicleta pelas ruas de terra. Que conseguiu realizar a vontade de construir uma casa na árvore. Que montava o clube da luluzinha e arrumava briga com o clube dos bolinhas. Que dormia no mesmo quarto que o irmão e até altas madrugadas ficavam combinando brincadeiras pro dia seguinte. Que adorava brincar de polícia e ladrão. Que roubava todas as moedinhas que a nona deixava sobre a penteadeira e ia na venda comprar tubaína e salgadinho pra turma da rua. Que desenhava em tamanho família a caricatura de uma “figura” da vila, no meio da rua. Que escrevia bilhetinhos de carinho pra mãe e deixava sobre a cabeceira da cama algumas noites antes dela dormir.
Tempos de criança que só trazem saudades da minha velha infância.
Hoje tudo tão diferente. Tudo tão modificado. Interessante. Coerente. Sofisticado. Tinha tão pouco e era tão feliz.
Suponho que quanto menos, mais temos.
A simplicidade da vida, realmente não tem preço.

Juliana Sabbatini

Um comentário:

Anônimo disse...

Lindo Jú. Acabei de ler um livro de Manoel de Barros (Memórias Inventadas) que é tão você.
Bjo.