sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Lapso.

Ela olhou pro lado e pensou ter ouvido o trinco da porta se abrir, o barulho da chave ou coisa assim. Sentiu perfume. Ouviu o toque do celular. Barulho na cozinha. Lembranças sem fim.
Ela ainda se vestia como ele gostava. Á vontade. Vestido. Roupas leves. Simples. Ficava bem assim. Unhas claras e um olhar voluptuoso a chamar.
Pés no chão e banho tomado, andava de um lado pro outro como quem se incomoda com o silêncio. Ela sempre gostou de ficar a sós. A sós com ela mesma. Mas hoje não. Hoje era um dia especial. Era algo que ela queria tirar de dentro de si. Queria se livrar daquele silêncio que era como que um barulho insuportável de aguentar.

Ainda se lembrara do primeiro encontro. Do primeiro olhar. Das poucas palavras trocadas. Mãos geladas. Pernas trêmulas em saber o que ia ser.

Se lembrava de cada detalhe. Do sorriso tímido que ele tinha. Do olhar meio de lado. Da voz. Do perfume. Da noite em que estiveram juntos. De ter amado. De pensar ter encontrado um coração que batia como o seu.

Coração que ela trazia nas mãos, vermelho sangue, carne viva, que batia forte em cada beijo, em cada encontro, em cada palavra dita, em cada pensamento.
Mas, ele não. Trazia algo diferente. Era meio obscuro demais pra identificar. Ele deixara sempre escondido. Sempre refugiado dentro do olhar. Coração difícil de sentir e de chegar.

Contudo, isso não fazia diferença alguma. Afinal, com ele era queria estar. Na memória de olhos fechados podia senti-lo devagar sobre as cobertas ir chegando. Carinhos, mimos e sorrisos. Devagarzinho iam se amando. Como um ritual de dois corpos que se respeitam, se conhecem um ao outro em que cada detalhe não era pouco.

E, a noite ia se passando. Ela com um copo de vinho na mão e os olhos pregados no chão.
O silêncio ainda não passara. E as lembranças iam e voltavam. Tudo quieto. Madrugada. Noite fria e gelada. Ela sozinha no apartamento, o telefone sempre olhava. Nada.

Como podia sentir tanto alguém assim? Apenas alguns meses de encontros subentendidos. Como pudera esperar por um coração que nunca tinha visto? Como se lembrar de coisas que nunca tinha vivido? Como ouvir palavras soarem como sinos em seus ouvidos? Como interpretar tanta confusão sem nenhum sentido?

E a noite ia passando. Quando ela se deparou com o sol pela janela despontando. Passarinhos cantando. Novo dia chegando.

Olhou novamente pra porta e se vestiu como todo sábado de manhã, ainda sem sono. Deixando o vestido pelo chão, taça de vinho e cama arrumada. Sozinha com chaves na mão e a câmera fotográfica, saiu de carro à trabalho pela estrada.
Sem lembranças,
sem vestígios,
sem telefonemas,
sem tristeza.
Sozinha ela continuava sua vida como sempre levara.
Juliana Sabbatini

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